Para nós, justiça é pagar algo com o preço equivalente. Mas para
Deus, justo é o que é bom, certo. Para nós, justiça é pagar algo com o
preço equivalente. Mas para Deus, justo é o que é bom, certo. Como uma
tampa é justa quando ela serve direitinho. Deus, na sua justiça,
“ajusta” tudo o que faz (Sl 146[145], 17; salmo responsorial).
Assim, a
justiça de Deus não é contrária à sua bondade. E idêntica! Em Ez 18,25
(cf. próximo dom.), Deus se defende da acusação de ser injusto quando
perdoa ao pecador que se converte. Deus não está interessado em
pagamento, mas em vida: “Não quero a morte do pecador, mas sim, que ele
se converta e viva” (Ez 18,23). A mesma mensagem traz a 1ª leitura de
hoje, Is 55,6-9, convite para o tempo messiânico, que é também o tempo
da plena revelação da estranha justiça de Deus, que tanto ultrapassa a
nossa quanto o céu transcende a terra (cf. dom, pass., salmo
responsorial).
Nessa perspectiva, a parábola de Jesus no evangelho não é apenas uma
lição para fazer-nos refletir sobre a justiça de Deus, mas ainda uma
proclamação de que chegou o Reino de Deus, a realidade messiânica:
buscai o Senhor, é o momento (cf. Is 55,6)!
Como é, então, esse tempo messiânico, esse Reino em que se realiza
sem restrição o que Deus deseja? É como um dono que, em vários momentos
do dia, contrata operários por uma diária e os manda trabalhar na vinha.
Ainda às cinco da tarde (“undécima hora’) encontra alguns que até então
não foram contratados (pormenor importante!) e também os manda à vinha.
Ao pôr-do-sol, fazem-se as contas. Para escândalo dos “bons”, que
trabalharam desde cedo, o dono começa pelos últimos, pagando-lhes a
diária completa, tanto quanto aos primeiros… Aí descarrilam os nossos
cálculos de retribuição. Mas Deus não está retribuindo, ele está fazendo
o melhor que pode: “Me olhas de mau olhar porque sou bom?” Os primeiros
tiveram tudo de que precisavam: trabalho, segurança e diária.
Os
últimos sofreram a insegurança, mas eles também devem viver, portanto, é
bom dar a diária completa a eles também. Entendemos isso apenas quando
temos uma mentalidade de comunhão, não de varejista. Tudo é de Deus. Não
importa que eu receba menos ou mais que um outro; o importante é que
todos tenham o necessário. E, se depender de Deus, é isso que
acontecerá, pois “ele acerta em todas as suas obras” (Sl 145[l44],17).
“Os últimos serão os primeiros, e os primeiros os últimos” (Mt
20,16). Deus desafia a justiça calculista, auto-suficiente… Se achamos
que podemos colocar-nos na frente da fila para acertar nossas contas com
ele, estamos enganados. Os israelitas foram chamados primeiros e se
gloriavam disso, achando que, por serem filhos de Abraão, por
circuncidarem-se e observarem a Lei e a tradição, podiam reclamar o céu.
Na última hora, Deus encontrou os que ainda não tinham sido convidados,
os gentios, e estes precederam os israelitas auto-suficientes no Reino.
Inclusive, isso serve para que esses israelitas mudem de idéia e se
abram para o espírito de participação e gratuidade, que é o espírito do
Reino. A graça não se paga; recebe-se. As pessoas “muito de Igreja”
incorrem no perigo do farisaísmo, de achar que merecem o céu. Um
presente não se merece. Ser bom cristão não é merecer o céu: é
guardar-se sempre em prontidão para o receber de graça. E não querer mal
àqueles que recebem essa oportunidade “em cima do laço”.
Pensemos em Paulo (2ª leitura), que não sabe o que escolher: viver
para um frutuoso trabalho ou morrer para estar com Cristo. Continuar a
trabalhar não teria para ele o sentido de ganhar o céu; desejá-lo-ia
somente porque seria bom para os filipenses. Mas o que ele deseja mesmo é
participar plenamente da proximidade do Senhor Jesus. Viver, para ele, é
Cristo. Uma vida animada pela amizade por Cristo, não pelo cálculo… Na
mesma carta, ele dirá que seu espírito de merecimento, suas vantagens
conforme os critérios farisaicos, ele considera tudo isso como perda,
como esterco (FI 3,7-8)! Só o impulsiona ainda a graça, a gratuita
bondade que Deus lhe manifestou em Jesus Cristo.
É difícil para o cristão tradicional assimilar esse espírito. Deve
converter-se da preocupação de fazer tudo direitinho para ganhar o céu!
Pois deve saber que sempre ficará devendo (cf. 6º dom, do T.C.) e terá
de contar com a gratuita bondade de Deus tanto quanto os pecadores, que,
muitas vezes, compreendem melhor a necessidade da graça.
Do livro “Liturgia Dominical”, de Johan Konings, SJ, Editora Vozes
(www.franciscanos.org.br)
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